De onde vêm, estes estranhos seres?
I.
Dr.
Dasmo, fisiomuletista renomado, investia tudo o que sobrava no sítio Panapaquá,
distante 30 km da cidade de Paquepá, onde morava.
Quando
não estava em Paquepá, estava em Panapaquá.
Eram
os bichos, a sua adoração. Tinha de tudo: mangalarga, cabra importada, nelore,
alguns até muito raros - tinha um tão raro que o Dr. Dasmo e Julo, o velho
caseiro, não sabiam o que lhe dar de comer, por isso nada lhe davam.
Mas
o grande amor de toda a família era Vanjico, também apelidado de Cadeira. Mulo
velho, tava aqui, tava ali, de acordo com o vento. Cara inexpressiva, as
crianças faziam dele o que queriam, desde que Vanjico, em seguida, ganhasse o
chapéu cheio de tabletes de coco (o chapéu de palha lhe dera Julo, quando
percebeu que Cadeira sempre ficava de costas para o sol).
Dr.
Dasmo, criativo como Mauá, viveu em Paquepá até o dia em que inventou a muleta
de mola e estourou de sucesso. Ficou rico demais e, aí, a cidade grande o
chamou.
E
o sítio? Teve que vender, pois ficaria longe demais. As crianças, a mulher e o
Dr. Dasmo concordaram em levar Cadeira. Na metrópole haveriam de encontrar um
lugar onde deixá-lo.
Mas,
oh caprichos dos astros! - morando no centrão, fábrica a pleno vapor, nada
puderam fazer. Deram Vanjico.
Hoje,
usando o símbolo da muleta apoiada à uma cadeira, na campanha rumo ao Senado,
Vanjico, ou Dr. Van Jico Ló, é
considerado pelo conceituado Instituto de Pesquisas Políticas ITSDEFIM o
candidato mais bem preparado e, talvez, a melhor cabeça da República.
II.
Caber
no caminhão até que cabia. Mas, e o dinheiro para a mudança? Então foram
obrigados a vender a vaquinha.
Jogaram
tudo no caminhão, ajeitaram-se como puderam e, só quando o velho dodge começou
a deslizar no barro é que Penca, o diabinho do meio do seu Calipódio viu,
tristim, Lambada, o cachorrim da família, esquecido lá no canto da cerca.
- “Pára, pára, pára!!! Epa! Opa!
Segura!” - Quê que foi, quê que não, Penca pulou fora que nem um raio e, nem
bem o dojão tinha parado e todos gritaram: Toca, toca! - Lambada tava seguro.
Êta
viage mixida!! Lusnardo, o caçula, que nunca tinha viajado, vomitou mais que
motor de vemaguete meia um.
Mas
tudo bem. O destino era a Capital e não era pelo estado deplorável das estradas
que a mudança não chegaria.
Chegar,
chegou, mas sem o Lambada. O tanso do cão não cismou de ameaçar um guarda de
trânsito na esquina da rua sete? Abriu o sinal e o caminhão arrancou; enquanto
o motorista engrenava a caixa seca, Lambada agrediu. Quando a segunda engatou a
besta do cão já tinha desaparecido na avenida Almirante Tamandaré.
Mas,
eis que, Penca, homenzão, casado, já sem aquela agilidade da infância, chega em
casa nervoso, gritando e gritando: “Cachorro, cachorro!!!” - A mulher,
preocupada, grita lá do tanque: “E
não foi dessa veis?” - “Não, e não vou mais. Não fosse eu tê achado ele, ele
não tava onde chegou! Agora, pra me pagar uma dentadura se esconde!”
Parênteses.
Explique-se: não, não é desprezo, nem falta de dinheiro, ou mesmo ingratidão.
Lambada, hoje, Dr. Celes Tiau, já registrou o pedido do Penca. O problema é a
campanha. Dura. Se bobear não se elege governador.
III.
Um
cervo? Era demais. Tinha pedido pônei, bicho preguiça, urso panda, até uma
carijó P.O.! Mas um veado? Ah, não, era demais.
Júnior,
de tão feliz, na mesma hora ligou para o pai e quase não conseguiu dizer além
de obrigado, obrigado e obrigado.
A
galera toda soube. Na escola, tão logo chegava era rodeado pelos colegas,
invejosos da felicidade dele. Quase não estudava, de uma ânsia febril.
Era
para esperar na chácara, dia 24, que o presente iria chegar.
O
pai lhe dissera que era um veadão, só não tinha aqueles chifres enormes porque
era muito novo.
Júnior
se informou quanto à alimentação, preparou acomodações e até nome o bicho de
estimação já tinha: Jaspion.
Uma
perua seria fretada especialmente, motorista de confiança, roteiro planejado,
tudo de acordo com o manual.
Nove
horas da noite do dia combinado e nada de Jaspion; a chácara estava em pânico,
um incêndio só, de desespero, de dúvida, de indignação. Júnior, inconsolável,
decidiu ir para a casa da cidade para telefonar para Brasília.
O
pai mandara sim, inclusive acompanhara o veado até a saída da cidade. Que
ficasse tranqüilo que ele tomaria providências urgentes.
A verdade é que a camioneta, o veado, o motorista, tudo desapareceu.
Verdadeiro caso de polícia, até hoje inexplicado.
Mas,
o fim da história de Jaspion não a conhecem a polícia e nem a família do
Júnior.
Jaspion,
ou melhor, João Alberto Sá Pereira de Ícaro Oslo Nogueira, depois que foi
adotado pela família Oslo Nogueira, criado, educado e incentivado, deu um
verdadeiro pulo. Envolveu-se na política e dela nunca mais saiu.
O
destino, ah, o destino! - se as pesquisas do Instituto de Pesquisas Políticas
ITSDEFIM estiverem corretas, Jaspion voltará, enfim, para a sua terra natal,
agora como Deputado Federal.
IV.
Em
Paramim, cidade fundada por Remington Luiz, na extensa fazenda de dona Armim,
aquele potro, desde que nascido, sempre fora diferente. Por onde andava
seguiam-lhe em marcha, carneiros, cabras, animais selvagens - estes em maior
quantidade, e a própria tropa.
Temido
pelo coice traiçoeiro, era também muito estranho, visto que, na maioria das
vezes abandonava os séquitos em feroz arrancada. Então, sozinho, perambulava
pelos campos, esquisitamente.
Beldade,
o filho mais novo do vizinho fora quem lhe dera o nome: Debarde.
Uma
noite muito escura, vagando aqui, sonambulando por ali, parou ao lado de uma
cerca. Ao clarão do primeiro raio forte que marcou o céu, Debarde viu, junto ao
barranco, um caminhão estacionado. Carroceria vazia.
Afoito
e libertino, fortes características animalescas, como se o raio estourasse em
sua cabeça, pulou a cerca e escorregou na carroceria. Ali deitou, ali dormiu.
Um
ronco, um solavanco, ainda escurinho, partiu o caminhão e, com ele, o
cavalinho.
E
eis que, sol a pino, o valente caminhão já rodava no asfalto da cidade grande.
Hoje,
muitas extrações da mega-sena após, o povo de Remington Luiz todas as noites se
reúne na frente dos televisores disponíveis para assistir, orgulhoso, Debarde
na televisão.
Ele
tem 45% da preferência nas pesquisas do Instituto de Pesquisas Políticas
ITSDEFIM.
Ninguém
duvida, naquele recôndito, que Debarde, hoje deputado estadual Franggis
Polletta, se reeleja.
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