Cabeça de pulga.
Achei uma cabeça de pulga no filtro do meu cigarro.
Esbocei indignação, pois filtro de cigarro não é lugar de cabeça de
pulga. Lugar de cabeça de pulga é na pulga.
Então, refleti: a minha boca também não é lugar para cigarro. Lugar de
cigarro é no maço.
Ora, um filtro de cigarro com uma cabeça de pulga é uma coisa estúpida,
pois são coisas que não me interessam, nada me acrescentam. São absolutamente
inúteis, sem sentido.
Então por quê, naquele momento, eu estava com duas coisas inúteis?
E o que eu fazia ali?
Eu não deveria estar ali. O meu lugar era outro. Não fazia nenhum
sentido eu estar ali, com um filtro de cigarro com uma cabeça de pulga.
O filtro e a cabeça de pulga fizeram-me sentir deslocado. Duas coisas
inúteis me fizeram perceber que ali não era o meu verdadeiro lugar.
Somente bem depois é que eu também percebi que lá também não poderia
ser o meu lugar. Só poderia ser um bom lugar se eu estivesse com um filtro com
uma cabeça de pulga. Por que eu, o filtro e a cabeça de pulga, eram tudo o que eu
era ali, naquele lugar.
Coisas inúteis sempre têm lugar. Mas o meu problema não é o lugar. São
as coisas inúteis que eu sempre carrego, pra lá e pra cá.
Rogério Sousa – 2006.
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